Quando coloquei a mochila nas costas e embarquei na primeira grande viagem da minha vida, em 2010, eu me senti como o Luke Skywalker prestes a deixar Tatooine. Não havia um Império a ser derrotado, uma família a ser vingada ou uma Estrela da Morte para ser destruída. Belo Horizonte não é um planeta desértico habitado pelo povo da areia e eu concordo que a viagem do Luke teve um pouquinho mais de emoção que a minha, mas a base da história, a do jovem que pela primeira vez deixa sua terra natal para viver uma grande aventura, era a mesma.
Assim como seu pai, Anakin, Luke cresceu imaginando outras terras, outros mundos. Entre uma e outra cerveja em Mos Eisley; a cada amigo ou colega que entrava numa nave e partia, pronto para recomeçar a vida em outro canto da Galáxia, Luke sonhava em fazer as malas e cair na estrada, digo, no hiperespaço. Tudo bem, a viagem dele envolveu um Mestre Jedi, dois robôs e uma nave pilotada por contrabandistas, já a minha começou com o combo férias e agens para outro país, mas as diferenças acabam aí: te garanto que o espírito aventureiro era o mesmo.
Como qualquer mochilão pelo mundo, a jornada do Luke envolveu descobrimentos. Não demorou para ele aprender que “Muitas das verdades às quais nos prendemos dependem do nosso ponto de vista”. O ensinamento veio de Obi-Wan e valia para toda a questão Darth Vader, mas bem que poderia ser aplicada em qualquer choque cultural que enfrentamos por aí. O mundo é mais do que aquele que está em nossa cabeça, as verdades da vida são maiores do que as que nos foram ensinadas por nossos pais, diria o Yoda. Mas tudo ao contrário, claro.
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Tatooine
Nesse sentido, as histórias de fantasia são todas muito parecidas. Se os Skywalker vieram da borda exterior da galáxia, os Bolseiro deixaram as ruas e tocas tranquilas do Condado e saíram em busca de aventuras na Terra-Média. Assim como Luke, as sagas de Bilbo e Frodo começam após o empurrãozinho de um mago, mas isso pouco importa.
No fundo, mais do que a história de elfos, anões e homens, O Senhor dos Anéis é um relato de viagem. Um cheio de aventuras, claro, mas também com seus momentos de ócio, divertimento e problemas inesperados. Acima de tudo, hobbits me ensinaram que, uma vez que você coloca os pés na estrada, é impossível parar.
Já o Harry Potter saiu do número quatro da Rua dos Alfeneiros, em Little Whinging, subúrbio de Londres. No caso de Harry, deixar a casa da infância, num bairro onde todas as residências eram iguais e não acontecia nada de inesperado, envolveu sair do armário. Literalmente.
Assim como Luke, Harry era um órfão, criado pelos tios, que pouco sabia de seus pais e de sua origem. Quando já não acreditava mais que deixaria aquela realidade para trás, uma carta – na realidade, várias delas – trouxe o mais inesperado dos convites. Seja de trem ou de carro voador, Harry caiu na estrada. E na outra ponta havia um mundo mágico, cheio de mistérios, aventuras, descobertas e perigos.
Por falar em armário, Pedro, Lúcia, Edmundo e Susana tiveram que entrar em um para que a aventura começasse. Em As Crônicas de Nárnia, os protagonistas até não eram suburbanos de origem, mas estavam longe do agito de Londres, protegidos numa casa onde pouco acontecia, quando acharam a Toca do Coelho. O que nos leva, claro, para Alice. E dela para a estrada dos tijolos amarelos é outro pulo, com Dorothy e o Mágico de Oz. Ali, o agente causador da viagem é um ciclone. O efeito é o mesmo.
Como o Totó sabe tão bem, o momento mais mágico e difícil de uma viagem é quando percebemos que o mundo em que estamos é outro, que as regras do jogo não são as mesmas, a ponto da frase clássica de O Mágico de Oz caber em qualquer situação de choque cultural, quase como uma expressão idiomática. “Totó, eu tenho a impressão de que não estamos mais no Kansas”.
A volta para casa é, no caso de Dorothy, um momento desejado, mas nesse ponto as histórias de fantasia não são um consenso: Harry lamenta profundamente cada dia que tem que ar na Rua dos Alfeneiros; Bilbo e Frodo até sonham em voltar para o Condado, mas isso nos dá uma lição de anticlimax; e a família Skywalker teima em sempre voltar para Tatooine, nem que seja para correr dali novamente um dia. Seria uma prova de que no fundo todos temos raízes? Se há um ponto em comum entre as histórias, certamente é que a pessoa que volta não é a mesma, mas alguém que mudou por conta da estrada de tijolos amarelos.
Demorei a perceber que muitas das minhas histórias favoritas são sobre viagens. E que, assim como nos livros e filmes, um mundo mágico, cheio de descobertas, nos espera do outro lado. Basta ter coragem de cair na estrada.